Há uma semana, decidi ler todos os romances do Graciliano Ramos. Na realidade, não havia nenhum intento realmente; fui apenas conduzido pela certeza que meu Tio Aluízio, o qual possui todas as obras dele, emprestaria seus velhos livros.
Primeiramente, li “ Angústia”, o qual pretendo reler e escrever uma crítica aprofundada. Em segundo lugar, li “ Vidas secas”. Achei mal escrito e, por vezes, tendencioso e com algumas cenas irreais. Quer um exemplo? Logo no primeiro capítulo, chamado de “ Mudança”, o leitor se depara com uma cena bizarra: a cachorra Baleia havia matado um preá, e Sinha Vitória, sua dona, como forma de agradecimento a beijou no focinho e, como ele estava ensanguentado, lambeu o sangue do preá morto. Esse episódio me deu ânsia.
Outro ponto negativo da famosa obra é a tentativa de menosprezar a capacidade cognitiva de Fabiano e seus filhos, alegando várias vezes que eles não sabiam e que só falavam por meio de onomatopeias, tais como o utilizadíssimo “ An!”; que é usado como a repetição de Hemingway. Todavia, isto não vem ao caso.
O que quero falar no presente texto trata do capítulo 3 do romance “ São Bernardo”, cuja a autoria é do autor citado nos parágrafos anteriores.
O primeiro período é introdutório. Escrito em 1° pessoa, o personagem principal, o Paulo Honório, apresenta-se dizendo seu nome, idade e peso. Contudo, faz um adendo: ele diz que possui muita consideração por isso, por suas “ sobrancelhas cerradas e grisalhas” e por seu “ rosto vermelho e cabeludo”. E, no fim do parágrafo, complementa: “ quando me faltavam estas qualidades, a consideração era menor”.
É interessante o quanto que os personagens Luís da Silva, de “Angústia”, e Paulo Honório, de “ São Bernardo”, retratam nossos espinhozinhos da alma; retratam nossas vaidades e imperfeições, que são como filepa de pau: você não vê, mas só sente a dorzinha chata.
A parte do rosto vermelho, lembrou-me meu pai. O velho Costa prefere andar com a face e o busto vermelhos a passar um protetor solar e se proteger. É como se fosse um instrumento de sua autoestima: “ Está vendo isso? Pois é, ganhei trabalhando. Foi com muito suor!”.
Já a parte que concerne à barba, enxerguei a mim mesmo. Sempre achei a barba um elemento da vida intelectual – não sei porquê. Na verdade, acho que sei. Em todos os retratos, Tolstói, Tchekhov e, até mesmo no quadro “ A lição de anatomia do Dr. Tulp”, havia homens barbudos. Com isso, optei pela barba. Hoje em dia, não consigo tirar por pudor – me sinto pelado sem.
Indo adiante, no parágrafo posterior, Graciliano rememora um certo padrão nos seus personagens principais, que é a pouca ou nula infância comum. Em “ Angústia”, Luís da Silva perde os pais muito cedo, e vai morar na rua, dormir nas praças por causa que tomam tudo da casa do seu pai. Já Fabiano, de “ Vidas secas”, só pode ser filho de chocadeira: em nenhum monólogo interior seu ele relembra algo anterior à sua vida de retirante, somente uma velha cama boa de um fazendeiro. E com Paulo Honório não foi muito diferente.
Além de na sua certidão não constar o nome do pai nem da mãe, ele diz que seu número de idade é convencional, nas palavras do personagem: “adoto-os porque estão no livro de assentamentos de batizados da freguesia”. E expressa que, bem como acontecimentos importantes, a data de aniversário não vale nada.
Venho percebendo que sempre que se envereda para o monólogo interior, Paulo Honório transita entre uma verdade nua e crua recheada de niilismo. Que podem ser evidenciados em um dos parágrafos posteriores, quando ele diz: “se tentasse contar-lhes a minha meninice, precisava mentir”.
Os personagens do velho Graça são assim. Mesmo suas sortes sendo umas desgraceiras, a gente enxerga nossas minúcias neles.
Por Pedro Figueiredo
----------
Em momentos como o que vivemos, o jornalismo sério ganha ainda mais relevância. Precisamos um do outro para atravessar essa tempestade. Se puder, ajude nosso trabalho e apoie o PATOENSE.COM fazendo qualquer doação via Chave PIX: patoense.com@gmail.com
Você também pode enviar informações à redação do portal DIÁRIO PATOENSE pelo e-mail: contato@patoense.com
Vaidade e niilismo: análise do início do capítulo 3 de “São Bernardo” - Por Pedro Figueiredo
Reviewed by Redação
on
9.6.21
Rating:
Nenhum comentário:
Obrigado por comentar.