“CRÔNICA-ENSAIO”: Estilo, do latim stilus - Por Pedro Figueiredo - DIÁRIO PATOENSE

“CRÔNICA-ENSAIO”: Estilo, do latim stilus - Por Pedro Figueiredo



É muito fácil ser antiestético; mas, se o feio fosse feio sozinho, não havia nenhum problema. Acontece que o feio quer se mostrar.  
 
Há uns anos atrás, quando eu estava fazendo meus primeiros escritos, eu me achava. Eu mostrava a todas as pessoas os meus escritos, decorava minhas poesias, compartilhava-as com ímpeto. É isso que faz a ignorância ser antiestética: compartilhá-la.
 
Sinceramente? Eu nem lia nada que preste e, ainda por cima, lia pouquíssimo — por isso escrevia mal.
 
Pois escrever razoavelmente bem é um processo de aprendizado longo, todavia, não necessita ficar como um louco lendo livros de teoria literária. É mais simples ainda: tente imitar os melhores.  
 
Na obra “ Os dez mandamentos do escritor”, Stephen Vizinczey disse: “ em minha adolescência estudei para ser maestro, e de meu treino musical eu adquiri o hábito que penso essencial para todo escritor: o constante e diário estudo das obras-primas”. E disso eu depreendi que o vetor da boa escrita são ótimas leituras.  
 
Não há segredos para escrever, ler ou/e ter uma vida de estudos próspera. Apenas, adote uma técnica que superou o teste dos tempos e foi usada pelos renomados: a técnica BC, conhecida como Bunda-Cadeira ou, por extenso, sentar-se numa cadeira e estudar.  
 
Há quem diga que sempre escreveu bem, só pode ser uma espécie de privilegiado ou um benai elohim. Nunca vi alguém ter autocontrole sem nunca ter passado uma raiva, e é isso que o estilo precisa, o autocontrole. Tanto que o ensaísta Walter Pater expressa que o estilo é um tipo de “ascese”.  
 
O nirvana do escritor é mais fácil do que se possa imaginar: é somente não criar nenhum sentimento afetivo por sua obra; porque, no final de contas, sempre será necessário retirar os excessos, refazer, reestruturar e, o que dói mais, ouvir críticas. Do contrário, será imaturidade intelectual e permanecerá na mediocridade.  
 
No mínimo, o aspirante a escritor deve tratar a literatura como sua primeira namorada: quando não está com ela, pensa nela, e quando está com ela, não quer que aquele instante acabe.  
 
Escritor é como coentro — tem de “mói” —, porém encontrar um que realmente faça algo que preste é quase impossível, pois, a grande maioria, são covardes e preguiçosos.
 
E, por isso, seus sonhos e aspirações são “ forças desaproveitadas” e acabam no “ rudimentarismo do desejo”.  
 
Não nego, existem pessoas que são como o que descreve Francisco Sales Areda nos primeiros versos do seu cordel “O homem da vaca e o poder da fortuna”: “Tem pessoa neste mundo/ Que já nasce afortunada/ Embora que passe o tempo/ Sem poder arranjar nada/ Mas depois vem a fortuna/ Lhe pegar de emboscada”. Ou era somente dinheiro e influência mesmo, como era o caso de Aluísio de Azevedo.  
 
Já que toquei no nome da beldade, irei retornar à ideia do primeiro parágrafo.  
 
No início da pandemia da covid-19, eu dediquei um mês à uma labuta angustiante. Todo dia, seja de manhã ou de tarde, eu lia com atenção a obra “ O cortiço”, do Aluísio. Apesar d’eu ter lido com atenção, lembro-me de pouca coisa, porque realmente não me marcou.  
 
Em linhas gerais, achei uma narração pomposa, personagens estereotipados e construções de imagens que não condizem com a realidade. Mas tem uma frase que não me esqueço de tão esdrúxula e estranha: “ ali mesmo, daquele lameiro, a multiplicar-se como larvas no esterco”. Nesse caso, ele estava se referindo ao aumento de moradores no cortiço de João Romão. E, lembrando agora, outro ponto esquisitíssimo foi a narração da menarca de Pombinha. Nem irei comentar.
 
Outro ponto negativo que vale a pena ser ressaltado da obra de Aluísio de Azevedo é a imensa quantidade de vezes que o narrador julga os personagens. O que contradiz totalmente o estilo, como disse Graciliano Ramos com essas palavras: “ a obrigação do romancista não é condenar nem perdoar a malvadeza: é analisá-la, explicá-la. Sem ódios, sem ideias preconcebidas, que não somos moralistas”.
 
Um exemplo de outro autor que peca — e como peca! — em sua narração com os mesmos problemas é o José Américo de Almeida. Possui todos os erros de Aluísio de Azevedo bem agravados. Além de um uso excessivo de retórica com o intuito de tentar aumentar a desgraça dos personagens e da seca e seus efeitos; que, na verdade, só deixa tudo muito fictício como nesse trecho de “A bagaceira”: “mais mortos do que vivos. Vivos, vivíssimos só no olhar. Pupilas do sol da seca. Uns olhos espasmódicos de pânico, assombrados de si próprios. Agônica concentração de vitalidade faiscante”. Como pode-se perceber, ele tinha uma enorme deficiência na seleção de seu vocabulário, que fazia o texto ficar com uma péssima clareza.  
 
Se você, aspirante a escritor, quer realmente julgar alguém, julgue-se a si mesmo tal como Nelson Rodrigues. Igualmente ele se julga e faz uma autoanálise na crônica “ex-covarde”; é muito forte a maneira que ele escreve o processo de como o sofrimento fez ele deixar de ser um covarde.  
 
Sejam como Nelson: se for para dizer a verdade, não se arrependa depois. Não tomem como exemplo os conspiradores que, após tramar a morte de Júlio César, arrependeram-se. Afinal, o remorso do escritor é humilhante: somos obrigados a engolir a própria língua e perdemos toda a credibilidade.  
 
Eu compartilho do mesmo pensamento de Schopenhauer em “ Dores do mundo”. O filósofo alemão narra que, nas tragédias, há um certo “crime em existir”, e o filósofo usa como exemplo o Gretchen no Fausto, o príncipe de Calderón e Hamlet. Eu faria um adendo que é fundamental a essa análise: colocaria Édipo e os filhos de Medeia.
 
Se o belo é a verdade, a beleza da literatura está na tragédia. Porque é uma verdade que, dadas as circunstâncias, seríamos tanto um Prometeu acorrentado quanto um Macbeth. 

Todavia, o brasileiro está mais para Strepsiades, da comédia “ As nuvens”, de Aristófones: o personagem queria aprender retórica e dialética com Sócrates para argumentar contra os juízes quando ele fosse cobrado por suas contas; mas tem um porém — ele fez isso porque não tinha outra escapatória.
 
Por vezes, temos que nos abster da verdade, pois, como qualquer coisa, ela pode ser desinteressante. Às vezes, a hipérbole e a mentira são bem mais dramáticas. Um exemplo de escritor que preferiu a mentira foi Shakespeare ao escrever a peça “ Ricardo II”. O bardo preferiu a versão do cronista Raphael Holinshed que tentou criar uma imagem heroica do rei, afirmando que ele havia matado quatro de seus oitos assassinos ao pegar uma lança dos mesmos. Hoje em dia, essa história não tem nenhuma credibilidade.  
 
Não entendo isso do brasileiro de valorizar o antiestético. E, o pior, são em todos os aspectos, áreas, departamentos, estilos, modos, métodos.
 
É um processo de burrice transmitida: o professor recomenda José de Alencar para o inteligentinho, o inteligentinho não lê mas recomenda para todo mundo pois sabe que ele está no cânone acadêmico brasileiro. E, enquanto isso, ninguém conhece a história de Carlinhos, o menininho inocente que brincava com um carneirinho, mas, depois, cedeu à volúpia de Zefa Cajá — para mim “O menino de engenho” é uma das melhores obras literárias nacionais.  
 
Se você quer, realmente, transmitir um sentimento por meio da sua obra, só tente descrever os fatos sendo condizentes com o mundo real, a ações reais. Tenha um olhar crítico e analise o mundo a sua volta minuciosamente.
 
Lembro-me que ao ler “ O menino de engenho”, eu fiquei emocionado com a morte da mãe de Carlinhos e com a solidão e a angústia do garotinho nos primeiros tempos vivendo no engenho do seu avô. Era um sentimento estranho. Parecia que Zé Lins tinha descrito minha história, mas eu nunca vivenciei nada parecido.
 
Vejo que os jovens leitores defendem àquela literatura engajada e militante. Por isso, está tendo uma explosão de vendas nas obras de Orwell; e Jorge Amado é o pai disso no Brasil com seus romances (quase que) de tese. Para mim, as obras de ambos não passam de meros panfletos ou “santinhos” de políticos. 
 
Quer saber? Se quer verdadeiramente ler uma literatura que possui críticas sociais, leia “O mercador de Veneza” de Shakespeare e atente-se às falas de Shylock. Você verá o mais belo discurso contra o preconceito na literatura.    

Pois é, leitor, tapeie aquele professor chato quando ele mandar ler àquele clássico que, para ele, é indubitavelmente clássico. Ninguém merece perder tempo, ter dor de cabeça e se esforçar por qualquer porcaria. Se for para ferver a cuca, leia Homero; garanto que seu ganho será muito maior.  
 
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“CRÔNICA-ENSAIO”: Estilo, do latim stilus - Por Pedro Figueiredo “CRÔNICA-ENSAIO”: Estilo, do latim stilus - Por Pedro Figueiredo Reviewed by Redação on 2.6.21 Rating: 5

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