Confissão: sou um ex-covarde - Por Pedro Figueiredo - DIÁRIO PATOENSE

Confissão: sou um ex-covarde - Por Pedro Figueiredo


Era uma sexta-feira à noite. Já tinha acabado o primeiro período da faculdade, e eu estava no deleite das férias.
 
Em cima da hora, fui chamado por uma amiga para ir em sua casa conversar. Já sabia o que era: o trabalho dela tinha se tornado um afã; trabalhava o fim de semana inteiro até, em média, às 22h. E ela, com o intuito de desestressar e desabafar, convidou eu e mais dois amigos para ir vê-la. 

Estava sendo uma noite agradável, pois não cumprimos a sua intensão (conversamos tanta banalidade que ela se esqueceu de desabafar sobre o trabalho) e foi bem melhor assim. Todavia, como quaisquer mentes juvenis modernos, enveredamos o assunto para o lado inteligentinho.

Sinceramente, eu era o pior dessas situações. Mas, com certeza, não estava em um dia frutífero. Passei longos minutos só concordando com meu amigo Jefferson Arcanjo, o qual defendia bem uma posição parecida com a minha.

Eu percebia que, em alguns momentos, ele tentava me encaixar na conversa; o que era estranho, pois, outrora, eu adorava conversar sobre isso. Senti até que ele tentou me motivar, dizendo: “ Figueiredo sabe mais sobre isso”, “Figueiredo pode explicar melhor”. Mas nada saía de mim além de um sorriso de canto de boca.

Na verdade, eu estava sofrendo de um mal que só quem tem sabe o quanto é ruim: o refluxo.

Estávamos debatendo na cozinha, e eu não contei quantas vezes eu tive que ir próximo ao portão para respirar melhor. E tudo piorou quando a anfitriã, Ana Júlia Félix, decidiu fritar anéis de cebola no óleo. Era triste; quanto mais o cheiro de óleo subia, mais meu estômago se revirava.
 
Parecia que tudo estava orquestrado para eu passar mal: o cheiro de óleo, Jefferson e Ana Júlia falando alto, música indie de fundo e o calor do ambiente. Com isso, tive uma conversa sincera com meu estômago: “ cara, eu não vou comer àquilo; calma! ”. E a resposta foi rápida – um enjoo.
 
Não sei se ocorre somente comigo, mas quando tem muito barulho perto de mim, meu estômago me ataca. E quando ele agravou a situação, meus amigos tocaram no assunto de cultura e arte.
 
Nesse instante, eu já tinha trocado daquela música americana para Villa-Lobos e Tartini. Foi uma tentativa de acalmar os meus ânimos; porém, minha testa estava suada. Fiquei nervoso ao pensar que poderia vomitar na casa dos outros. 

Quando eu cheguei em casa, o refluxo passou, e descobri o verdadeiro motivo de tudo isso: estava angustiado por guardar minha opinião. E já sabia a causa: ter sido tantas vezes tido como extremista em um grupo de estudos que eu fazia parte.

Naquelas horas, na casa de Ana Júlia, eu tive medo de ser taxado de extremista. Tive medo, pois, além de ser covarde, hoje em dia, é melhor blasfemar contra Deus que ser tido como reacionário e conservador – pelo menos, é o que a sociedade faz crer.

Até pouco tempo depois d’eu começar a escrever crônicas, esse medo perdurou. Contudo, não dá para se manter imparcial em um país que anuncia, quase que pacificamente, o extermínio de crianças em uma creche. Nessas horas, eu me pergunto: a imparcialidade do jornalista é mais importante que sua dignidade ao falar de crianças mortas?

Na verdade, é porque aqui é tudo ideológico; seja do lado da esquerda, seja do lado da direita. E a culpa está na massa que consome isso exageradamente. A massa só quer saber do estúpido, do desleal, do falso, do mentiroso, do depravado. E, por conseguinte, chora e faz manifestação pela morte de bandidos, mas não dá um modesto “piu” para a morte das crianças.

Por isso, não sou mais covarde. Falo o que penso. E sei que critico muito, mas acho interessante que com Heidegger todo mundo diz: “ temos que separar o autor da obra”. Afinal, isso é chique; mostra o quanto de inteligentinho você tem. Entretanto, se o cronista sem renome criticar um costume sujo, e o mimado se doer, o cronista além do coice, leva uma paulada.
 
Sendo bem leal com vocês, não sei o propósito que vim ao mundo, mas, com certeza, não foi para agradar mimado. Então, hoje, eu prefiro que escarrem ao falar meu nome que ser visto como “ aquele que agrada todo mundo”.
 
Por Pedro Figueiredo

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Confissão: sou um ex-covarde - Por Pedro Figueiredo Confissão: sou um ex-covarde - Por Pedro Figueiredo Reviewed by Redação on 12.5.21 Rating: 5

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